Casa de pedra

Casa de pedra

Abertos os alicerces, encetei conhecimentos com a casa do lado. Uma casa antiga de piso único cujo dorso em pedra se expõe permanentemente ao tempo. Sarro escuro e vestígios de algum musgo nas lajes térreas fazem antever uma idade longa a esta construção.

Fomos ganhando confiança. E agora eu, uma casa em construção já com paredes consigo igualar a sua altura e avaliar a modéstia das suas linhas desprovidas de arquitetura. Umas pedras sustentam as outras e estas por sua vez sustentam o telhado. Dentro desta casa apenas um idoso acamado usufrui das suas parcas condições. Duas lâmpadas apenas para jorrar luz nas duas únicas divisões, sendo elas uma cozinha enorme e a outra um quarto de tamanho médio.

Todas as manhãs esta casa de pedra pergunta-me as horas receando não dar conta do balanceamento do pêndulo. É o único sinal audível que nela habita. Todas as manhãs explico-lhe que ainda estou em construção e que por isso ainda não tenho relógio que me confesse as horas.

Diariamente rente ao pôr-do-sol outro idoso solidário com o silêncio e a idade rodam-lhe a maçaneta para lhe devolver uma alegria cada vez mais extinta. Entra e sai repetidamente arrastando sarça e gravetos. Uma fogueira há-de embriagar a noite e refazer vezes sem conta os sonhos dispersos e distintos, tão empoados quanto a parca mobília existente. Com a fogueira o idoso acamado sorri para as sombras que se passeiam pelo teto carunchoso. Acordando os lábios da inércia. Ele confessa histórias da vida ao colega de idade e quando este se vai embora repete mais solenemente as mesmas histórias para a minha amiga e mui nobre casa de pedra.

Assim são as suas noites. A cama daquele idoso foi o berço de várias gerações que à volta daquela mesma fogueira falavam bebiam e avaliavam a vida promovendo-a com esperanças. Esperanças sofridas, partilhadas e comemoradas. O recanto do lar ali junto da fogueira era partilhado por avós, netos, pais e filhos. As pedras daquela casa suaram paz e harmonia, muita dor também quando alguém partia. Há muito que não se escuta o pedalar do carteiro com cartas oriundas do estrangeiro, há muito que este amigo idoso já não as recita à luz de uma lâmpada frouxa junto da fogueira.

A minha construção terminou, sou uma casa grande e sóbria com terraço, colunatas e passadiço mas mesmo ali ao lado a pequena casa de pedra está de luto. As janelas de madeira foram fechadas ocultando-lhe a renovação do dia. Hoje aquela casa de pedra não perguntou pelas horas. O idoso foi colocado num lar distante da casa que construiu e lhe deu a tão desejada família.

Muitas andorinhas chegaram aquela casa de pedra e na quietude dos seus beirados instalaram ninhos de barro e terra húmida. As eras e enleios cresceram pintando de verde as paredes e escondendo os ninhos dos xaréus. As borboletas com os seus pedaços de arco-íris nas asas sobem e descem em espiral e as abelhas cumprem com as patas recheadas de polém a tarefa de fecundar as flores.

Com isto a casa de pedra reaprendeu o que era de novo sorrir, com a primavera à porta e pássaros a chilrear. E para que à noite não se sentisse só, eu a casa recém-construída do lado rodei dois dos meus holofotes na sua direção. Assim vai ser difícil para a paisagem esquecer-se desta humilde casa de pedra.

As andorinhas primogénitas escrevem no azul do céu ao seu redor coreografias que pretendem ensinar aos seus descendentes. Esta casa de pedra foi o princípio das suas vidas e agora num ritual de celebração e de passagem estes filhotes preparam-se para conquistar o mundo. Assim que decidirem abrir as asas e lançarem-se na vertigem dos céus.


2017 © Copyright Vítor Casado

Foto: pixabay.com





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