A estrela de Salomão

A Estrela de Salomão

É inverno, resolvi visitar a Praia de São Pedro de Moel. Um manto de nevoeiro envolve a falésia e o farol mesmo atrás de mim. O vento desalinha os meus cabelos e faz chegar aos meus ouvidos a sua fúria. Ainda assim o mar tem uma grandeza que nos dá serenidade. As coisas que nunca foram ditas pelas pessoas que amamos ou que se cruzaram nas nossas vidas parecem ser-nos aqui reveladas.

O Som do mar é doce, as gaivotas repetem voos e equilíbrios ao vento. As ondas crescem e cumprem a missão de vir beijar a areia.

Sentei-me na areia húmida a ver o mar. E é tão longa esta paisagem de mar que mesmo fechando os olhos é possível manter a sua visão no nosso interior.
“Olá…” Ouço enquanto a minha visão tem apenas o mar por enquadramento.
“Olá…” Volto a ouvir por ainda não ter encontrado o rosto que me dirigia a palavra.

Por fim identifiquei a pessoa idosa que me dirigia a palavra. Era um homem bastante idoso, de barba branca espessa, mas de voz bonita e com modos de pessoa educada. Abandonava a zona de nevoeiro razão pela qual eu não o tinha avistado. Dirigia-se em passos muito lentos e desequilibrados pela areia na minha direção.

“Olá…” Respondi. A pessoa em causa sorriu-me e ficou um pouco mais à frente no areal. Percebi que dilatou os pulmões para inspirar esta maresia e a partir desse instante o seu rosto adquiriu uma postura sempre sorridente. Os seus olhos eram líquidos, cristalinos e captavam atentamente os movimentos do mar.

“É muito bonita esta praia…” Dirigiu-me de novo esta palavra. “Onde houver mar a sua intensidade faz-se sempre notar…”
“Sim… Concordo…” Respondi. Passados poucos segundos e eventualmente depois de ter ganho alguma coragem este idoso perguntou:
“Já agora, em que praia estamos?”
“São Pedro de Moel… Mas espero que o senhor não se encontre perdido…” Respondi eu.
“Pois… Pode parecer estranho… mas nunca conheço bem os meus destinos…” Disse ele sorrindo ainda mais. Resolveu continuar:
“O Nome, Rei Salomão diz-lhe alguma coisa?” Perguntou delicadamente.

Nesta altura eu sentia-me descontraído e estava a usufruir de um bom pedaço de manhã à beira mar. Decidi responder-lhe por isso com sinceridade:

“Esse rei maroto desiludiu-me quando eu era miúdo… ainda passei uma vergonha na escola por causa dele.” Disse eu enquanto me deitava na areia. Coloquei os óculos escuros para poder olhar o azul do céu e melhor recordar a minha infância. Continuei:

“Quando me perguntavam o nome dos três reis magos começava sempre por Salomão e só depois é que dizia dois dos nomes corretos. Acho que já era adulto quando decorei os três nomes corretos: Gaspar, Baltazar e Melchior. Mas na minha cabeça era sempre Salomão. Cheguei a ser vaiado.
Bolas se o Rei Salomão que escreveu entre outros o Livro da Sabedoria, se de facto era assim tão culto, tão rico e tão amado porque não podia também ele seguir a estrela?

Sim, porque não poderia ele seguir a estrela que o iria guiar até ao Deus menino em Belém.
Porque não pode ele testemunhar esse momento único juntamente com os outros reis magos? Ele que tem poemas e salmos tão lindos. Há muito que decorei os três primeiros versículos do capítulo 7 do seu livro Cântico dos Cânticos e recitei-os:”

1. Quão formosos são os teus pés nas sandálias, ó filha de príncipe! Os contornos das tuas coxas são como joias, obra das mãos de artista.
2. O teu umbigo como uma taça redonda, a que não falta bebida; o teu ventre como montão de trigo, cercado de lírios.
3. Os teus seios são como dois filhos gémeos da gazela.
        
E o silêncio que se fez a seguir foi Benvindo.

“Mas é exatamente por isso que eu estou de volta. Tal como tu há por esse mundo milhares de crianças que pensam que eu era um dos reis magos. E nem imaginas a felicidade e o orgulho que eu teria se tivesse seguido aquela estrela para assistir ao nascimento de Jesus Cristo. Mas não podia. Não podia mesmo. Jesus Cristo Nasceu mais ou menos 930 anos depois de eu o Rei Salomão me ter despedido deste mundo. Eu não podia ter feito nada.”

Uau, fiquei estupefato com esta confissão quase inacreditável. Nem sabia bem o que dizer de seguida ou como responder. Foi o próprio que resolveu esse impasse.

“Bem, fazer alguma coisa…, talvez até possa fazer mas de outra forma… Todas as noites espero por uma estrela pequenina e muito especial. Um dia experimentei e resultou. Consegui subir para o seu dorso e a partir dai ela leva-me sempre para pontos luminosos na terra. Já não consigo juntar-me á comitiva que seguiu o ponto de luz aquando do nascimento do Deus menino. Já lá vão mais de 2000 anos. Mas estatisticamente talvez se prove que não muito longe de um foco de luz em aglomerados populacionais haja pelo menos uma criança que acredite que o Rei Salomão era um dos três reis magos”.

“Pois. Estou a perceber a sua estrela trouxe-o até mim através da luz daquele farol” Disse eu apontando para o farol que agora se tornou visível pela dissipação do nevoeiro.
“Então. Estou desculpado? Percebes agora que eu não vivi na época dos reis magos?” Perguntou Salomão.
“Sim agora percebo… não há problema”. Respondi
“Então o que vai fazer agora. Encontrar outras crianças… ou pessoas que já foram crianças para lhes explicar?” Perguntei.
“Sim. Antes andava com um saco cheio de brinquedos para oferecer às crianças a quem pretendo explicar porque nunca fui um dos reis magos. Mas infelizmente quando chego até elas, já elas já são adultas…”
Rimo-nos os dois.

“Deduzo que tenha de esperar pela noite para apanhar a boleia da sua estrela, verdade?”
“Sim verdade…” Respondeu Salomão.
Ocorreu-me então uma ideia:

“Se calhar vamos andando, posso leva-lo a um sitio onde se pode beber uma cerveja com música ao vivo… Talvez até lhe recorde um pouco a sua antiga vida palaciana. Já agora desfaça-me uma dúvida. Dos três reis magos: Gaspar, Baltazar e Melchior qual é que era de origem africana? Já não me lembro…”

2017 © Copyright Vítor Casado

Foto e vídeo sobre o farol de São Pedro de Moel:
http://www.dronestagr.am/sao-pedro-de-moel-lighthouse-penedo-da-saudade/



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